Coisas que não vemos mas sabemos existir. Desejos e histórias que nascem e morrem num piscar de olhos. Palavras de um cérebro que sente e um coração que pensa. Eu nunca vi uma estrela cadente e mesmo assim procuro por ela todas as noites.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Coração no casulo


Voando por aí percebi que, mesmo sendo borboleta, tinha eu um coração de lagarta. E voei pra bem longe do meu lugar comum em busca de algo que me alimentasse. Sinto fome o tempo todo e nunca fico satisfeita. Fome de saber, de conhecer, fome de amor. Penso que sempre fui tão preocupada em ser uma borboleta que me esqueci de perguntar como é que acontece a metamorfose mais importante: da alma. Nunca perguntei pra minha mãe e agora é tarde. Ela anda por ai, em jardins distantes, buscando um tipo pólen que também não sei se ela vai achar.

Estranho, muito estranho. Você nasce lagarta, feia e viscosa e passa o tempo todo pensando em como é ter asas e ser colorida. Eu pensava nos tons e cores que eu poderia ter. Nunca imaginei me sentir tão cinza, como nunca na vida.

Sabe o que é? De repente me dei conta que passei anos querendo voar por ai e aí olho pra lagartinhas enroladas em outras lagartinhas e tenho vontade de chorar. Se bem que nunca quis ser uma daquelas borboletas presas em alfinete também. Conheci um vagalume uma vez, sabe como é. Ele tinha um brilho que eu nunca consegui explicar. Eu quis que ele ficasse comigo pra sempre. Mas ele me disse que vagalumes duram somente uma noite quando são presos em caixinhas de fósforos. Sempre tive medo de perder meu brilho assim, dentro da caixa de fósforos dos outros. Sou uma borboleta noturna, acredite.

Tenho essas asas lindas e coloridas, tão bem delineadas em tons de vermelho-carne e amarelo-ouro, passando até pelo azul e o violeta, com pontinhos brancos salpicados que mais parecem diamantes. O que eu tenho aprendido nos jardins que tenho freqüentado é que de repente a cor nem é tão importante se, por exemplo, você se apaixona por uma borboleta daltônica. Ou se é uma lagarta cega. Tá bom, não deve existir lagarta cega. Mas eu conheço algumas que vêem muito, mas não enxergam nada.

Eu acho que as outras borboletas têm a mesma dúvida. Tem até uma amiga minha, uma autêntica Pierídeos, que passa por longas fases num casulo que ninguém vê. Tem outra que acha que quanto mais jardins você freqüenta, mais se torna bela. E até tem aquela que ainda nem virou borboleta porque morre de medo de deixar o casulo. Da minha parte, uma borboleta colorida e toda confusa, eu posso assegurar que a única parte que ainda escondo no casulo é meu coração. Esperando que na próxima primavera ele esteja pronto pra voar também. Enquanto o coração não floresce, vou à procura de desabrochar a alma, me alimentando de liberdade, palavras e sorrisos. E experimentando novos tipos pólens, que vamos lá, isso nunca fez mal a ninguém.





3 comentários:

  1. É um absurdo de bonito
    O seu talento escrito.

    E dessa borboleta eu arrisco a dizer algo:

    Cuidado ela é frágil!
    Mas não a prenda porque ela é ágil.

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  2. Lagartas e borboletas... Lindissíma metamorfose que acontece. Tão bela e tão delicada para retratar a vida!

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  3. Que análogo maravilhoso. Busquei aleatoriamente por "desabrochar de casulos" no google e cheguei até aqui. É assim que me encontro atualmente. Parabéns pela sensibilidade. Bons vôos !

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