Coisas que não vemos mas sabemos existir. Desejos e histórias que nascem e morrem num piscar de olhos. Palavras de um cérebro que sente e um coração que pensa. Eu nunca vi uma estrela cadente e mesmo assim procuro por ela todas as noites.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Cartas de Gaveta - Volume 2

São Paulo, 16 de março de 2003.

E mesmo depois que você se foi, ainda que tivesse demorado tanto, desocupou meu coração. Fiz vigília por tanto tempo, esperando que você se fosse...um dia não estava mais lá. Simples. Silencioso. Como quando partiu naquele dia amargo.
Deixou no vazio do quarto escuro somente uma caixa preta, a porta trancada do lado de fora.
Depois que você se foi havia uma caixa, que nunca abri.
Um dia, como se vivesse, ela se abriu. Sozinha.
Saíram palavras que se arrastavam pelas paredes, formando perguntas tortas, algumas saladas de letras. Coisas que nunca vou saber. Será que chegou a acreditar na nossa eternidade? Houveram noites depois do fim em que se pegou pensando no cheiro dos meus cabelos? No som da minha risada escandalosa? Qual a importância eu causei da tua estrada?
As palavras foram se espremendo na parede que não era mais vazia, formando perguntas órfãs sem espaço para respostas.
Quantas cores tinham meus olhos?
Tranquei a porta e não preciso mais vigiá-la. Deixo a chave debaixo do tapete no caso de você resolver voltar. Talvez possa pintar as paredes de branco.


sábado, 15 de junho de 2013

O curioso caso da pilha AAA

Sabe quando alguém te diz: sempre há uma solução para tudo na vida? Pois é, sempre achei isso uma baboseira sem tamanho. Quer dizer, quem nunca esteve em uma posição sem saída que realmente era sem saída?
Ok, “a vida ensina”, “tudo tem sua hora”, “o impossível é questão de prefixo”. Quantos clichês fazem seu dia?
Pois é, estava eu em uma noite agradável com: vinho, 5a temporada de Friends, sexta-feira inteirinha pra mim. Poderia ser mais uma noite tranquila no Reino Encantado (minhas amigas entenderão), só que não. Eis que eu resolvi, depois de um pouco mais de meia garrafa de Cabernet Sauvignon, procurar uma pilha. Pois é, uma pilha. Eu queria ver meu amado DVD “Where the Light is” do John Mayer. Veja bem o nome do DVD que eu encarnei.
Voltando à pilha. Pois é, eu precisava de duas pilhas AAA. Eu tinha uma só (obrigado moço da NET que levou meus dois controles e minhas 4 pilhas junto com eles). Eu amo o John mas, convenhamos, não amo todas as faixas do DVD. Daí eu queria mudar  para as minhas favoritas né. E não podia porque o único controle com pilha palito era do bendito DVD. Fui à caça do objeto que atenderia meu desejo. 
Depois de achar um caderno antigo com anotações do intercâmbio  de 2003, meu cachorro de pelúcia Liam Jackson sumido há uma década– uma homenagem singela a dois ídolos da adolescência, Liam Gallagher e Joshua Jackson –, minha lembrança da 1a eucaristia, minha bola 8 mágica, meu dálmata da Disney (sem o nariz porque a Suri comeu parte dele), enfim: não tinha pilha.
Então eu, entorpecida pelo Gato Negro e completamente certa de que não existia uma pilha palito na minha casa, estava simplesmente fazendo um “cata” como diz minha mãe. Jogando fora o lixo guardado em gaveta, queimando foto de quem não tem mais espaço no meu faqueiro (um dia conto essa história), ouvindo as músicas do John que eu nem gosto muito mas, vamos lá, sempre é legal. Eis que eu tinha desencanado. Porque as vezes, a gente desiste um pouco mesmo. Ou quer muito desistir, mesmo não acreditando que termine daquele jeito.
Daí eu vi uma chave bizarra junto com um daqueles anéis neon que você ganha em formatura. Pensei: lixo. E o que tinha dentro desse pequeno pote meus amigos? UMA PILHA PALITO. Não, eu não inventei essa história. Por mais que eu adore finais felizes, confesso que ultimamente tenho desacreditado um pouco dos clichês. E não é que os danados me perseguem?
Pois eu, completamente incrédula, coloquei a pilha no controle e ele funcionou. E eu dei uma gargalhada gostosa, saí rodopiando pela sala, voltando a acreditar no mistério da vida. E se você do outro lado está pensando “que idiota ficar feliz por uma pilha”, acredite: o dia em que você precisar muito de uma coisa tão trivial e misteriosamente essa coisa aparecer, volta aqui e lê esse texto de novo.

MORAL DA HISTÓRIA: não pare de procurar, ser curioso é bom, jogue fora o que não faz sentido na vida, descubra velhas coisas que despertem novos sentimentos. E sempre compre pilhas extras porque, vai que.


quarta-feira, 22 de maio de 2013

Pílulas Escritas

Que acabe o que precisa acabar.
Que morra o que precisa morrer.
Que continue o que merece continuar.
Que viva o que insiste em viver.
Amém.

Talita Prates

Assim como as estações, as mudanças são inevitáveis.

Até encontrar o sentido é preciso trilhar, independente do resultado.

O blog muda de nome, mas não muda o conteúdo.

Se uma cadeira deixa de se chamar cadeira, ela deixa de ser uma cadeira?

Se você não vê fisicamente uma coisa mas acredita, ela deixa de existir?

Assim como as estrelas cadentes, esse blog pra mim é uma possibilidade. De desejos, sonhos e idéias que insistem em sapatear na minha cabeça.

Por essas e outras, o espetáculo da vida continua....

;)

sábado, 11 de maio de 2013

Cartas de gaveta - Volume 1


Meu quarto, 04 de Julho de 1995

Lembra o que eu te disse sobre idealizações, orgulho e coisas que só existem na nossa cabeça?
Então, quero te contar uma história. É sobre duas pessoas que são incrivelmente parecidas em quase todos os aspectos. É sobre dois amigos que vivem no cabo de guerra, se alfinetando, se provocando e ao mesmo tempo se incentivando, compartilhando. Uma história sobre duas pessoas que lutam para não acreditarem que no fundo existe um desejo, uma curiosidade, uma vontade de cruzar a linha e vencer o cabo de guerra: os dois vencem. Essa história é sobre eu e você. 
Seguimos caminhos separados e paralelos. Idealizamos as pessoas que no fundo, sabemos que não são pra gente. E talvez tenhamos medo do que a gente mais quer na vida. Somos orgulhosos porém acreditamos no amor. Na entrega, no companheirismo, na amizade, no desejo, no tesão. Temos sintonia, nos entendemos no olhar e somos mal-humorados. E adequadamente maldosos com os outros (já te falei para parar de me olhar daquele jeito).
O problema dos cabos de guerra é que alguém precisa ceder e ”perder”. E eu sinto que cheguei num ponto em que não quero ganhar de você, mas quero ganhar você, de presente, pra mim. Inteiro. 
Creio que existem duas vontades, mas preciso que você dê esse passo e me diga que não estou louca. E aí eu largo o meu lado do cabo e corro para o abraço (o seu).
Isso tudo faz sentido ou fiquei louca de vez?
Se estiver errada, significa que queremos coisas diferentes. Não só da vida, mas um do outro. E eu prefiro deixar a guerra inteira a competir por uma metade amputada. Eu sempre vou amar você. Foi importante pra mim, chegou em hora importante e por um tempo saiu da minha vida mas nunca do meu coração. E quando você voltou, tinha um lugar muito mais bonito que é só seu. Independente do que acontecer, carinho assim não acaba de uma hora pra outra. Fica a lembrança, o sorriso largo no rosto quando lembrar de você. E sigo em frente, feliz por não ter sido covarde com o que pulsa aqui dentro. Porque sempre haverão outras pessoas, outros amores e outras possibilidades e sei que seremos felizes apesar de nós. Mas eu espero que a gente seja feliz por causa de nós.
Te pergunto: Fica comigo?
PS: Você pensa demais.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Conversa-fantasma

- Oi.
- Oi.
- Achei que não fosse mais te ver.
- Eu fiz o possível pra que isso não acontecesse.
- Ah.
- Mas agora tudo bem, já passou.
- Hum.
- Tá tudo bem.
- Você não sente mais minha falta?
- Acho que sim. Ás vezes sinto muita. Da voz, de falar que te amava no final de cada ligação. Sinto tantas faltas. De ser abraçada e me sentir protegida. Sinto falta de um cheiro familiar, os olhos fechados, a pele morna. De estar em um momento que dura pra sempre. De projetar o melhor de mim em você.
- Mas e de mim, não?
- Sinto falta do que eu era quando estava com você. Do sentimento de completude, eu sentia que tinha tudo que precisava.
- Hum.
- É, acho que não sinto mais sua falta. Sinto falta de mim.


segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A espera do Ir-remediável

"Pensar é ainda fuga: aprender subjetivamente a realidade de maneira a não assustar. Entrar nela significa viver." Caio F.
Meu avô se chama Carlos. Foi o melhor professor que tive na vida. Provavelmente o homem mais educado que eu conheci. A vida dele se resumiu em ensinar. Meu avô tem Mal de Parkinson. E vive com medo de morrer.
Durante toda a vida, nunca tive grandes problemas com a morte. Creio que em parte isso aconteceu porque mesmo não tendo dimensão próxima e exata, eu era rodeada por ela. Morte todos os dias no jornal, na tevê, no mundo todo. E de repente a iminência da morte do meu avô me deixou preocupada. Quando se vive esperando a tal criatura vestida de preto carregando uma foice, o terror toma conta de cada célula do corpo. A morte dá medo em quem vive, e só.
Quando ela vem lenta e sorrateira, o impacto é ainda pior. A deterioração do corpo ao longo da vida é até aceitável. A deterioração da mente é mais dolorosa, irracional. Porque a morte é falta de vida; mas a falta de memória também é. Não só a incapacidade de se fazer algo para evitar um destino fatal, mas o desespero de não conseguir acessar informações que estão ali, em algum lugar do seu cérebro. Como por exemplo, procurar um bilhete em 78 anos de papéis que se espalham nas gavetas da memória. Primeiro faltam as lembranças, depois as palavras. E lentamente vão faltando motivos para que haja comunicação com o mundo externo, e a espera pela morte se torna solitária e (se isso for possível) mais triste.
Não saberia viver sem minhas lembranças. Sem minhas palavras. Sem minha inspiração fujona que se esconde, mas sempre volta para trazer boas noticias. Não sei como viver num mundo sem meu avô. E muito menos saberia como viver no mundo tão misterioso e solitário daquele homem de cabelos brancos que passou a vida inteira ensinando e que hoje tem que aprender tudo de novo.
Caio Fernando Abreu chamou de “irremediável” algo melancólico e sem saída e de "ir-remediável" um trajeto que pode ser consertado. Será que é possível aprendermos a ver a morte sob esse aspecto? Com certeza alguém já ouviu a mãe ou a tia dizer que falar sobre esse assunto “chama” a coisa ruim. Talvez sejam lendas como essa que transformam a morte em assunto desagradável. Ninguém quer pensar que um dia não existirá mais como matéria no universo. Mas é por saber que pessoas como meu avô pensam nisso todos os dias que penso no quanto fechamos os olhos para a dor da espera.
Apesar de terem um fim inevitável, as doenças degenerativas têm um aspecto angustiante muito forte. Temos em nosso consciente que o tempo é irreversível, mas nada consta ali sobre a possibilidade de que uma enfermidade nos faz regredir, em uma verdadeira máquina do tempo reversa. Necessitar de cuidados de bebês com corpo de adulto. Os sintomas que acabam sendo causados por remédios, feitos para frear a evolução da doença, são como recuar do abismo da morte, em direção a um buraco um pouco mais raso, porém escuro.
Acompanhar o sofrimento daqueles que amamos, não é uma tarefa fácil. A sensação de incapacidade pode ser paralisadora, aterrorizante. Há aí uma confusão entre ter pena e ter piedade. Ninguém deseja ser alvo de pena de alguém. É o exercício de empatia que enriquece o ser humano, o colocar-se no lugar do outro, com a humildade do doente. Um ato que devíamos transformar em hábito.