Coisas que não vemos mas sabemos existir. Desejos e histórias que nascem e morrem num piscar de olhos. Palavras de um cérebro que sente e um coração que pensa. Eu nunca vi uma estrela cadente e mesmo assim procuro por ela todas as noites.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Estiagem




Há épocas em que a gente não se encaixa muito bem no mundo. Dias em que não há sorvete, festa ou programa que tire a sensação de que algumas coisas precisam ser consertadas, outras curadas e porque não algumas jogadas fora. Eu chamo de tempo de estiagem, porque não há nada que cresça, nada que floresça, nada que maravilhe. É um tempo gasto com a bagagem que possuímos e as expectativas, um tempo que nem sempre queremos dividir com o mundo. Algo que na minha visão é um tanto quanto raro em tempos onde a vida é tão exposta. Há o Orkut, o Facebook, o MSN, o BBM. No tempo de estiagem não queremos ser alcançados, queremos ser compreendidos. A compreensão da distância é mais difícil. De alguma forma não há lugar onde se sinta confortável, porque não estamos confortáveis. E não há remédios, bulas ou receitas.
É também um tempo onde aqueles que realmente gostam e se importam com você vão estar ao seu lado em silêncio, mesmo que você recuse todos os convites para a balada do ano. Na estiagem só sobrevive o que é forte, o que luta pra estar ali.
Li hoje uma reportagem sobre como se tornou fácil saber aonde as pessoas vão, com quem elas vão, se elas estão assim ou assado, qual é o último bafo. Estiagem não combina com redes sociais, nem telefone, nem salto alto.
Talvez seja uma solidão necessária, uma chance pra pegar alguns pedacinhos que se soltaram e que não tem como varrer pra debaixo do tapete. Cada vez mais aprendo a respeitar o tempo de cada um mas, principalmente, o meu.
E sim, as pessoas que te amam e que você ama são importantes nesse momento. Mas de um jeito diferente, sem que se necessite saber todas as letras do que se passa. Mesmo porque nessas horas provavelmente serão as vírgulas que estarão contando.
E então quando menos se esperar, a terra estará pronta pra receber a chuva e respirar, para então receber as flores que, inevitavelmente, virão.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A carta

Era uma dessas tardes de fim de inverno, exceto pelo fato de que nem parecia inverno. Olhou pela janela enquanto o sol aquecia sua pele. Respirou, mas o ar era seco demais. E precisando de umidade, seus olhos degringolaram em gotas emergenciais.
Tocou o interfone: “O correio deixou algo pra senhora, dona Alice”. Desceu pelo elevador intrigada, carregando um coração cheio de dúvidas. Estava há dias esperando pra falar o que sentia, mas algo sempre se imprimia em seus lábios: I feel, Yo siento. Nunca no seu idioma, não, aquilo já seria óbvio demais; tinha essa mania de negar pra si em uma língua diferente, como se houvesse uma estrangeira dentro daquele coração. Uma hermana que tinha um ponto de interrogação bem no meio da garganta. Uma entrega especial, urgente. Era uma caixa pequena e branca.
Dentro da caixa havia apenas um espelho e uma carta. Alice de olhos degringolantes, com dificuldade, começou a ler:
“Pois é, pasme. Resolvi soltar meu verbo. Em português. Há dias tenho convivido com esse corpo estranho que você chama dúvida. O coração não vem com manual de instruções menina; a paixão muito menos. Como uma criança, ela é toda sentir. Ela chora, ela sente dor e não sabe o que é. E ela precisa de pele, de empatia. Pra crescer e virar alguém melhor, alguém que você pode contar e confiar.
Eu não sei viver com migalhas de amor, não sou passarinho, ouviu bem? Eu sou João e Maria, gulosos atrás da casa feita de doces, mesmo que pra isso, tenha que enfrentar uma bruxa malvada.
Não existe compreensão na paixão, Alice. É uma noite de libertinagem, de querer, é o egoísmo na sua forma mais irracional. Você quer pra si, só pra si. Paixão a gente não divide, criança. Sem essa de duas pessoas. Ela pode até acontecer entre dois corpos, mas a celebração é num único ser.
Amor é diferente? Sei lá, Clarice achava que “poucos querem o amor, porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais”. Eu adoro a Clarice, mas não concordo. Amor é outra coisa. Amor é de cada um, mas é inteiro entende? A cola é a paixão.
Tá bom, entendi. Por que eu não te falei antes? Sei lá. Talvez eu precisasse de uma coisa só minha. Meu segredo é esse, eu preciso de uma coisa que seja só do meu conhecimento sabe? Porque apaixonada, a gente fica cristalina demais. Too clear my dear.
Olha, não chora assim. Eu só quero ajudar, porque eu sofro também nessa história. Alice, é assim: a paixão vem como uma onda gigante. Depende de você surfar e curtir o passeio. Sempre há a possibilidade de você cair, como você também leva um caldo se perder o controle na hora de subir. Mas a forma de encarar a onda depende de você.
Minha experiência como surfista diz que se a gente souber aproveitar a onda, dá até pra chegar na praia suavemente. Isso eu chamo de amor. O que não impede você de pegar uns jacarés de vez em quando, em dupla.
Sei que a razão fica no seu pé. Isso é barra, nem imagino o que você está passando com essa história de tradução simultânea. Eu tenho meu idioma natural, que é às vezes (como você já percebeu), muito desbocado. Peço desculpas pelo “vômito”. Mas como você bem sabe, a conselho de Caio F. a gente deve moldar essa gosma, pra ver o que sai dela. Me agradaria muito um girassol. Ou lírios, adoraria ver lírios teus.
Acho que eu vou me despedir, você ainda tem muita coisa pra discutir com a parte de lá. Diga a minha querida “razón” que mandei um beijo. A gente nunca se encontra mas uma não vive sem a outra.
Fique bem, feliz, sempre.
Sempre seu,
Coração
PS: Você precisa se exercitar.”

Alice pegou o espelho; entrou fundo naqueles olhos úmidos e vermelhos. Era um dia muito quente e nem parecia mas ainda era inverno. Pegou sua prancha e foi de encontro ao mar. Lá fora, setembro se anunciava, a primavera estava chegando.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Nosso descompasso de cada melodia




Fico pensando em maneiras de começar a dizer sobre tudo aquilo que me ocupa o estômago, sobe pela garganta queimando e desagua nos meus olhos. Eu sou toda incerta, sou cheia de defeitos. E descobri que eles vêm a tona nos meus dias mais intensos, mais cheios de sentimento.
Esgotei minha paciência, as paredes do meu quarto ficaram apertadas demais. Eu não sei sentir pela metade. Eu sou do tipo que vai até o fundo do poço. Mas sempre espero que você jogue a corda pra me puxar.
Me desculpa, eu sou explosão. Lembrei porque o vulcão entra em extinção. Causa estrago demais, demora pra se reconstruir tudo. Quando eu amo sou assim, vulcânica.
Tenho gênio difícil, personalidade de uma genética italiana. Meu sangue não corre, ele borbulha. Você pode me explicar seu amor durante horas: eu levei segundos pra saber que você não quer dizer tudo aquilo que ensaiou.
Amei demais e não fui amada. Já amei e fui amada. Nem sempre no mesmo tom. Mas é assim que surgem as melodias, nos descompassos da tentativa de se atingir harmonia.
Quero ser mimada, quero ser provada. Me desafie a ser melhor; eu te desafio a me conquistar.
Dou com a cara na parede porque me entrego a esse coração vagabundo e crio fantasias. E meus reinos sempre são mais limpos do que as cidades de verdade. Te peço então: entra no conto de fada comigo, constrói um portal pra gente voltar pra realidade. Mas não rasga meu desenho com sua chatice de gente que vive de cabresto.
Não gosto de gente sem atitude. Ir com a maré é até bom, contanto que sua vida não esteja pautada nisso.
Eu quero ser sempre melhor pra quem eu amo e espero o mesmo pra mim. Já passei um tempo vivendo da dieta do amor: pequenas doses esparsas de atenção. Abandonei o Vigilantes das Migalhas e virei obesa crônica - gulosa.
É, eu posso ser uma mente complicada demais pra você. Mas acredite, não passo de um conto de Guimarães Rosa. Uma vez que você traduzir minha linguagem, fica lindo de ler.
Então é isso: traz tuas notas soltas pra gente fazer um refrão. Bem bonito.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Para Olívia,

Paris, 25 de setembro de 2004

Sabe o que eu estava pensando esses dias? Que talvez, só talvez mesmo, no fundo, queremos que todos nos entendam! Imagine o mundo tendo empatia por você! Eu ja imaginei, é até difícil, mas fiz um quadro bem bonito em minha mente. As coisas seriam mais fáceis, afinal todos iriam te entender: Um mundo sem problemas. Pois talvez esteja aí o inicio de todas as crises que temos: para outros, não são um problema, porque ninguém te entende.
Pois bem, nesse tal mundo "empático", esses problemas já não existiriam. Imagine:

- Querido, desculpa, te trai!
- Ah, jura?
- Juro! Eu estava me sentindo sozinha, foi um impulso!
- Tudo bem, eu te entendo!



Agora te pergunto, deveria soar patético?

Outro ponto a ser questionado: quão profundo é o seu conhecimento de você mesmo? Porque procuramos ajuda em outros: amigos, pais, psicanalistas? Será que o fato de alguém não nos compreender é tão grave? O pesar pela não compreensão de um amigo frente a seus problemas pesaria tanto quanto o pesar da não compreensão do seu namorado?

A resposta é obvia : NÃO!!! Porque? Expectativas.
A compreensão daquele que amamos, que queremos dividir tudo, sempre parecerá a mais necessária.

Creio que nem todos são como nós!! Acredito sim que todo mundo de certa forma busca encontrar aquele amor, viver o amor, acreditar sem medo no "felizes para sempre!"

Quando crianças vimos em contos os felizes para sempre acontecer ao lado do príncipe encantado. Quem é esse ser?
O príncipe Felipe (eu adoro o principe Felipe, é o moço da cinderela). É o cumulo da perfeição, não tem nem muito o que falar. Devoção à felicidade de sua amada: 100%.

A Fera, adoro a Fera! O príncipe salvo pelo amor!!! A pureza !!!

Até me cansa de pensar.

Voltando e deixando a Disney um pouco de lado:

Há quem não se preocupa com o amor ideal. Há quem ache suficiente ter alguém ao seu lado para testemunhar a vida, para dizer que amamos. Alguém para idealizar, para não ficar só. Confesso que ás vezes penso se essas pessoas não seriam as mais felizes.

Mas.... nós não!!! Nós não queremos o sufiente para nos sentir confortáveis!! Nós queremos o limite da paixão, queremos o amor ideal, queremos ser amados como acreditamos! Ja imaginou amar uma pessoa e nunca chorar por esse amor? Eu não!! Sério, não mesmo.

Ja me perguntei várias vezes se um dia não iremos mais questionar, se um dia olharemos no espelho e falaremos, "É isso, sou 100% feliz!"

Viveremos o nosso amor idealizado? Mas como alcançá-lo se ele mesmo, por si só, é efêmero?

Por que na listas de tarefas dessa vida até o feliz para sempre acontecer temos o principe em primeiro lugar?

Ja pensei muito sobre isso, pensei e digo que devemos trabalhar o nosso eu! Que temos que estar em paz com nós mesmos, que a vida e nossa felicidade não está na posse de um outro alguém. Falo isso pq acho uma sacanagem a nossa dignissima paz e felicidade depender do grau de amor e compreensão de uma outra pessoa!! Mas as coisas não são assim.


E quer saber: qual o problema em querer ser feliz com um amor por completo? Não vejo mal nisso, mesmo pq quem vai sofrer no caminho somos nós mesmos.

Outro ponto: o amor ideal!

O nome ja diz tudo. Seria o nosso ideal utópico??? Grandes chances, minha querida.

Olívia,queria neste momento te dar a receita para suas aflições. Curar suas angustias. Mas não há cura! Acredito que nem eu, nem ninguem possa te oferecer isso!

Posso no maximo tentar, simploriamente, amenizar seus sentimentos barrocos que tomam conta desse seu corpo e mente.

Você o ama!!! Você o quer!!! Não há mal nisso!!! Tá bom??

Você o quer só para você. Eu sei, mas vamos lá: você não pode ter!!! Sempre terá os amigos, o trabalho, a familia, o cachorro, o video game...

Amanhã pode ser só o trabalho, depois só a família.... mas nunca será só você.

E nem deve. Não agora!

Você é dele, eu digo, unicamente dele? Não! Você tem o que muitos buscam na vida: a certeza de amar alguém.
Amar tão profundamente que temos medo de perder. Que vemos todos os obstáculos reais e irreais. Talvez é uma forma de proteção, porque caso acabe, temos desculpas para o fracasso!

Não há fracassos. Há erros que podemos cometer, mas não faça tudo ser mais dificíl do que ja é. Não é facil estar apaixonada, junto vem o medo de ter sido em vão, de ter sido uma ilusão.

Não faça de um acontecimento corriqueiro, de um pequeno deslize, uma carta do destino, um sinal do apocalipse!

Não transforme o que você está vivendo agora em um pesadelo, pelo simples medo de tudo não ser como o sonhado por sua pessoa.

Ele nunca vai te entender por completo, você nunca o entenderá por completo.

Você viveu um amor ideal por um tempo. Vocês lutaram contra as barreiras. No começo é assim não é? Tem que ser! Nunca mais terá o que teve no começo? Não digo isso.
Você me disse que:

"Voce, mais do que qualquer um sabe o quanto dói abrir mão de alguém que é nosso sonho e nosso pesadelo."

É eu sei. Quando eu conheci o Luca, ja o idealizei. Me apaixonei. Não importa as diferenças que existem no meu caso para o seu caso! O fato é que eu sabia que o amava!! Eu queria ele só para mim, e no meu mundo, eu o tive. Eu me senti amado. Mais do que amar alguem, se sentir amado é algo, não acha?

Percebi que ele não era so meu! E nao digo so pelas mulheres que ele teve. Questionei ele, o mundo, eu mesmo. Não era mais como era no começo, mas acontecia de novo e eu sentia como antes. Por cinco anos percebi que a intensidade não é constante, que as coisas não são como a gente quer. Ele não entendia o porque de depois de um tempo, as eventuais namoradas me incomodavam, o porque eu entrava em crise. Isso doía. Mas eu o amava e disso eu sabia e ele também. No final das contas, não era pelo fato das coisas não estarem como deviam estar, era pelo medo de perder aquela pessoa que me fez sentir amado, aquele que me olha, que diz "eu te amo" e eu acredito, mesmo que ás vezes não compreendenda.

Questione sempre uma coisa Olívia: Você o ama? Sente que ele te ama?

Você sabe o porque eu nao estou mais com o Luca? Porque eu sei, que cedo ou tarde, vai acabar. Perdi a pureza de acreditar, de sonhar com o feliz para sempre com ele!!

Você não.E se tudo der certo no final, nunca teremos um fim, entende? O sofrimento faz de certa forma parecer verdadeiro.

Mais do que nunca, agora seu amor esta em uma fase em que o relacionamento em si não é a única prioridade dele. Ele está construindo a vida dele.

Não o prive de errar por si próprio, não carregue em suas costas o peso das escolhas dele!

Ame-o, respeite o espaço dele, se é disso que ele precisa agora. Não chegamos a alguém com um manual.

Se sinta amada, busque isso. O que você sente quando esta com ele? Vivendo!

Sonhe com finais de semana ideais, mas não faça de seu sonho um empecilho para ver o que há de bom na realidade.

Cada vez mais tenho certeza de que não existe um amor pronto. Existe uma pessoa que amamos e é sempre difícil falar o porque. O amor em si, vai sendo construído e fazemos de cada passo, certo ou errado, justificativas para este amor que antes não conseguimos explicar. Não deixe seu sonho virar seu pesadelo, não cometa o mesmo erro que eu. Não viva na saudade desse seu amor e nem na utopia dele mesmo.

Viva, do jeito que é agora!

No meio de tudo isso, saiba sempre que eu estou aqui! Em Paris as noites são sempre um convite ao inesperado, neste momento eu aceito somente uma leve brisa tocar meu rosto.
Fique bem, feliz.

PS: Só para constar, eu ja tive meu principe, mas sei, que terei outro!!! Ou outros! Hahahaha

Bisou bisou

Guilherme

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* Texto escrito pelo Pedro, meu amigo, minha pessoa, do blog Holscher-Beguelli. Eu só dei uma editada e achei muito bom e bem a cara dos meus textos.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

A metade da laranja


Quando freqüentamos o Ensino Fundamental, nossas cabecinhas se quebram para entender monstros, como frações. Pois vem desde essa época a dificuldade em dividir as coisas em partes.
Nós humanos, fazemos isso o tempo todo, rotulando pequenos pedaços com destino marcado. Procuramos nossa “metade”. Casamos para celebrar o amor e o fim da procura. Mas será que somos mesmo só meia parte de um todo?
Uma pessoa que é a favor do meio-ambiente, mas não separa seu lixo reciclável em casa, não pode ser “um quarto consciente ambientalmente”. Assim como ninguém fica “um oitavo grávida”. E absolutamente não existe quem fique “um pouco apaixonado(a)”.
Algumas coisas não podem ser fracionadas. Por exemplo, as pessoas. Ou então significaria que alguém “separado” não é mais inteiro. Casamento significa uma união, mas acima de tudo uma instituição romântica, que, quando dividida, muda de nome e de lado: fracionado, chama-se divórcio. E na maioria das vezes, um vilão digno de novela das oito.
Há teorias que dizem que casar faz bem à saúde, e outras, que o divórcio desencadeia doenças crônicas.
Casamento é contagioso: uma vez que você pega, não sai mais ileso. Você assina um termo no altar que implicitamente diz: você agora deve me amar. E as multas de quebra de contrato podem ser altíssimas. O que não fica combinado é que deve permanecer: respeito ao outro, à sua individualidade. Não somos metade de algo, esperando para sermos completados por alguém.
Somos porções inteiras de amor, expectativas, virtudes e defeitos, e que juntos com nosso parceiro podemos escrever ou não uma boa historia. As pessoas não se completam, elas se somam.
Não existe a metade da laranja. Não tem bola de cristal que vai prever se um casamento vai dar certo, também não tem como ler uma folha em branco. A história de qualquer casal é escrita ao mesmo tempo. Todos nós somos laranjas suculentas e redondas, que, em dupla podemos (ou não) dar um belo copo de laranjada. Pra ser degustada a dois.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O que eu também não entendo

Foi aí que ela disse: Sabe o que é? São os olhos. As vezes os olhos dele me doem muito. Como um cachorrinho atropelado na estrada: foi inexperiência dele, não tem o que fazer. Mas te dói mesmo assim.
Acho que é porque sei que no fundo, compartilhamos a mesma solidão. Tem coisa mais doída pra dividir? Ela me disse tudo isso com olhos molhados, de quem se abraça sempre por dentro, pra se confortar.
Eu não sei a resposta das coisas, cada vez mais eu penso que sou mais uma mente perigosa que fica à solta, destilando sentimentos em palavras.
Escrevo pra chorar aquilo que não digo pra mim mesmo. Mas já está escrito em mim.
Ela me disse tudo isso e chovia muito, e agosto nunca chove. Os tempos mudaram, mas eu nasci velha.
E eu te pergunto, se eu insistir, melhora? Acredito que sim. Tenho que.
Eu vim até aqui só pra dizer, depois de tudo o que ela me falou. Pra dizer que me dói também os seus olhos. Seus olhos que desviam dos meus quando tento te desvendar. Eu precisei tanto de você, quis tanto. Mas só não entendo por que é que foi descobrir o melhor de mim se não queria o resto. O resto sou eu também. Sou eu fora do contexto de perfeição que você me colocou.
Antes de você, eu quebrava tudo que nascia de bonito. Agora meu jardim tá todo lindo e você me diz que não quer mais saber das flores.
Enquanto você escapa com escolhas que não são suas, eu vou mergulhar nos olhos que me doem. Um dia te explico o porquê.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Trecho de "Para uma avenca partindo"

Como estou sem tempo (e vamos lá, sem paciência) para sentar no computador e transcrever os textos do meu moleskine, aqui, um pedacinho de um texto que mexe muito comigo. O texto se chama "Para uma avenca partindo" do Caio Fernando Abreu(outra vez ele, minha Mar´lene amada!):

"Eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente, sabe, dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende?
você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver uma plantinha qualquer, pequena,rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca,samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco apouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço. Eu queria te dizer uma porção de coisas, de uma porção de noites, ou tardes, ou manhãs.
Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende?
É fundamental que você escute todas as palavras, todas, e não fique tentando descobrir sentidos ocultos por trás do que estou dizendo,sim, eu reconheço que muitas vezes falei por metáforas, e que é chatíssimo falar por metáforas, pelo menos para quem ouve, e depois, você sabe, eu sempre tive essa preocupação idiota de dizer apenas coisas que não ferissem(...)"

Simples, sensível e profundamente honesto, como tantas vezes nos é difícil ser.