Coisas que não vemos mas sabemos existir. Desejos e histórias que nascem e morrem num piscar de olhos. Palavras de um cérebro que sente e um coração que pensa. Eu nunca vi uma estrela cadente e mesmo assim procuro por ela todas as noites.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Caio F.



Coisas que me fazem feliz, parte dois.
Ler Caio F.
Me inspira, me emociona e me deixa orgulhosa da Literatura Brasileira.
Deixo aqui minhas últimas descobertas, espero que gostem...


"Na terra do coração passei o dia pensando - coração meu, meu coração. Pensei e pensei tanto que deixou de significar uma forma, um órgão, uma coisa. Ficou só com-cor, ação - repetido, invertido - ação, cor - sem sentido - couro, ação e não. Quis vê-lo, escapava. Batia e rebatia, escondido no peito. Então fechei os olhos, viajei. E como quem gira um caleidoscópio, vi:

Meu coração é um sapo rajado, viscoso e cansado, à espera do beijo prometido capaz de transformá-lo em príncipe.

Meu coração é um álbum de retratos tão antigos que suas faces mal se adivinham. Roídas de traça, amareladas de tempo, faces desfeitas, imóveis, cristalizadas em poses rígidas para o fotógrafo invisível. Este apertava os olhos quando sorria. Aquela tinha um jeito peculiar de inclinar a cabeça. Eu viro as folhas, o pó resta nos dedos, o vento sopra.

Meu coração é um mendigo mais faminto da rua mais miserável.Meu coração é um ideograma desenhado a tinta lavável em papel de seda onde caiu uma gota d’água. Olhado assim, de cima, pode ser Wu Wang, a Inocência. Mas tão manchado que talvez seja Ming I, o Obscurecimento da Luz. Ou qualquer um, ou qualquer outro: indecifrável.

Meu coração não tem forma, apenas som. Um noturno de Chopin (será o número 5?) em que Jim Morrison colocou uma letra falando em morte, desejo e desamparo, gravado por uma banda punk. Couro negro, prego e piano.

Meu coração é um bordel gótico em cujos quartos prostituem-se ninfetas decaídas, cafetões sensuais, deusas lésbicas, anões tarados, michês baratos, centauros gays e virgens loucas de todos os sexos.

Meu coração é um traço seco. Vertical, pós-moderno, coloridíssimo de neon, gravado em fundo preto. Puro artifício, definitivo.

Meu coração é um entardecer de verão, numa cidadezinha à beira-mar. A brisa sopra, saiu a primeira estrela. Há moças na janela, rapazes pela praça, tules violetas sobre os montes onde o sol se p6os. A lua cheia brotou do mar. Os apaixonados suspiram. E se apaixonam ainda mais.

Meu coração é um anjo de pedra de asa quebrada.

Meu coração é um bar de uma única mesa, debruçado sobre a qual um único bêbado bebe um único copo de bourbon, contemplado por um único garçom. Ao fundo, Tom Waits geme um único verso arranhado. Rouco, louco.Meu coração é um sorvete colorido de todas as cores, é saboroso de todos os sabores. Quem dele provar, será feliz para sempre.

Meu coração é uma sala inglesa com paredes cobertas por papel de florzinhas miúdas. Lareira acesa, poltronas fundas, macias, quadros com gramados verdes e casas pacíficas cobertas de hera. Sobre a renda branca da toalha de mesa, o chá repousa em porcelana da China. No livro aberto ao lado, alguém sublinhou um verso de Sylvia Plath: "Im too pure for you or anyone". Não há ninguém nessa sala de janelas fechadas.

Meu coração é um filme noir projetado num cinema de quinta categoria. A platéia joga pipoca na tela e vaia a história cheia de clichês.

Meu coração é um deserto nuclear varrido por ventos radiativos.

Meu coração é um cálice de cristal puríssimo transbordante de licor de strega. Flambado, dourado. Pode-se ter visões, anunciações, pressentimentos, ver rostos e paisagens dançando nessa chama azul de ouro.

Meu coração é o laboratório de um cientista louco varrido, criando sem parar Frankensteins monstruosos que sempre acabam destruindo tudo.

Meu coração é uma planta carnívora morta de fome. Meu coração é uma velha carpideira portuguesa, coberta de preto, cantando um fado lento e cheia de gemidos - ai de mim! ai, ai de mim!

Meu coração é um poço de mel, no centro de um jardim encantado, alimentando beija-flores que, depois de prová-lo, transformam-se magicamente em cavalos brancos alados que voam para longe, em direção à estrela Veja. Levam junto quem me ama, me levam junto também.Faquir involuntário, cascata de champanha, púrpura rosa do Cairo, sapato de sola furada, verso de Mário Quintana, vitrina vazia, navalha afiada, figo maduro, papel crepom, cão uivando pra lua, ruína, simulacro, varinha de incenso.

Acesa, aceso - vasto, vivo: meu coração é teu."

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Sobre Lagartas com Asas

de Olivia Holsher

Tenho pensado sobre a velha história da lagarta querendo ser borboleta. Quanta espera, quanta paciência é necessária. Uma lagarta triste e cabisbaixa sonhando com aquelas asas coloridas e que passa a maior parte do seu tempo preocupada com tons e formas. O mundo esta cheio destas criaturas: pessoas desesperadas por beleza, almejando um ideal que nem sabem de onde vem.
Quem nunca fez ou ao menos pensou em fazer algum tipo de intervenção estética que atire a primeira pedra. Homens e mulheres, jovens e velhos, modernos e antiquados. A preocupação excessiva com a aparência começa a se tornar cultural, diria até banal. O corpo-objeto sendo cada vez mais objeto e menos gente. Perdemos assim a humanização do corpo, e tudo aquilo que chamamos defeitos. Aqueles sinais que nos fazem tão únicos começam a perder o sentido num mundo onde todos querem parecer iguais demais. Foi-se o tempo em que sardas, pintas e formas eram “charmosas”.
O ideal de beleza muda conforme os tempos. O que não muda é a historia da lagarta e da borboleta. A metamorfose. Só que no caso dos humanos, o preço pelo vôo pode ser caro demais. Cada vez mais vejo mulheres morrendo em mesas de cirurgia em nome de uma afirmação que nunca virá. A idealização do que possa ser perfeito ultrapassa o respeito pelo corpo, respeito pelo tempo. Rostos plastificados, silicones excessivos, banalização do vulgar.
Sinto falta de uma metamorfose interior, um aflorar de respeito e carinho. Falta de bons dias, sorrisos no elevador, conversas que ultrapassem a receita novela-tragédia-auto-ajuda. Alguém, por favor, abre aí uma clinica de embelezamento da alma!
Ser a favor da vaidade não é a mesma coisa que fazer dela um propósito de vida. As academias estão cheias de mulheres lindas, saradas e ignorantes. Os bares e as festas estão repletos de belos rostos e espíritos pobres. Um dia um amigo meu chegou a dizer que não importava que a menina não tivesse conteúdo, o importante era a “barriga tanquinho” que ela tinha. Não estou sugerindo que se fale de Dostoievski em plena danceteria. O fato aqui é: quem lê Dostoievski? Cadê as discussões literárias, a troca de experiências, a reflexão sobre os rumos que a humanidade toma?
A quantidade crescente de meninas desenvolvendo bulimia e anorexia também é gritante. Borboletas insatisfeitas, morrendo lentamente sob a pressão de serem aceitas. Coloridas por fora e monocromáticas por dentro.
Então decidi que se houvesse uma clínica de embelezamento da alma haveriam sessões de filosofia, aulas de gentileza, massagens culturais. E tudo indolor, ao preço simples de respirar e refletir, sem que seja o reflexo do espelho. E ainda assim passar o creme anti-rugas antes de dormir, sem medo de que a alma fique enferrujada.

PS: Esse é o texto que ganhou em 3o lugar no I Concurso de Crônicas da Academia de Letras e Artes de Ribeirão Preto no dia 11 de novembro, foi praticamente o Oscar pra mim!rs Certificado na parede e dinheirinho na poupança literária! =D

O vírus do Amor

Coisas que me fazem feliz, parte um.
O que mais me interessa quando vou fazer uma entrevista: a história. Odeio ir atrás das fontes " oficiais ". São tediosas e na maioria das vezes seguem um roteiro que você encontra em todos os jornais da cidade, do país. Sim, elas são confiáveis. Mas extremamente desinteressantes.
Nada como uma entrevista que te envolva, aquela que te estampa um sorriso na cara. Nada como se deparar, num mundo tão cheio de notícias "oficiais" ruins, com uma história real e encantada, no sentido de que andamos muito desfalcados de notícias boas. Não sei se isso me deixa menos jornalista. Mas me faz mais humana.
Foi por esse ponto de vista que escolhi o tema da minha matéria especial de fim de semestre: a Associação Síndrome do Amor. Quando entrei na Casa do Cuidador, eu era uma estudante em busca de fontes. Quando eu saí, eu era uma estudante com muito mais que uma história nas mãos; eu tinha um coração infectado.
A história da Marília, presidente da Associação, já dava uma matéria e tanto. Pra mim, foi como receber uma recarga de energia positiva(fim de ano me desvitaliza), ela é aquela pessoa que te abraça com um sorriso. O orgulho com que ela fala do filho, portador da Síndrome de Edwards, que morreu aos 17 meses de idade, é o tipo de sentimento que muitos pais de filhos sadios e vivos não têm. Amor incondicional, tão nítido, que por um momento senti que podia tocar nesse amor, como se fosse concreto, tão sólido ele é.
O carinho da equipe toda, o calor, a disposição de simplesmente fazer o bem a alguém que sofre. Não precisa dinheiro, não precisa presente. Ali o pagamento é em abraço, em "obrigados", em palavras.
A mãe do Thales podia ter desistido de tudo, se conformado com o diagnóstico dele e seguido em frente. Mas ela escolheu ficar. Escolheu amar. E depois que ele virou "estrelinha" como ela mesmo diz, fez com que a vontade de viver do filho se trasformasse na Síndrome do Amor. Mais do que isso: ela encontrou no uso positivo da Internet, o caminho para a superação da sua dor. E contagiou o mundo. Esse é o tipo de vírus que eu desejo a todos. O vírus do amor.

OBS: Pra quem não entendeu bulhufas do que eu falei, dá uma olhadinha em www.síndromedoamor.com.br e visite-os!